sábado, agosto 19, 2006

VIAGENS NA MINHA TERRA III

O primeiro dia

Cheguei em casa. Dormi. Quatro horas da manhã. Oito horas da manhã meu sono é carinhosamente interrompido:

- Dani...filhinha! Dani...vamos tomar café? O papai comprou um monte de coisa gostosa na feira.
As velhas estratégias para me tirar da cama. “Vem comer que está na mesa”. Mamãe sabe que a isso eu não resisto mesmo. Mas fazia apenas quatro horas que eu dormia depois de uma viagem cansativa. Pra que me acordar às oito da manhã? Eu estava de férias! Só abri um olho e resmunguei:

- Mas, mãe...eu tô morta... Tô tão cansada que não tenho forças nem pra mastigar...
- Vamos, filha. Ânimo. Tem palestra pros adolescentes.
Arregalei os olhos de uma vez. Que susto! Por um instante pensei que tinha voltado no tempo, como nos filmes.

- Quê?!
- Papai quer que vocês vão – no caso era eu e meus irmãos, com as idades de 16 e 18.
- Mãe! Tá me chamando às oito pra assistir palestra no primeiro dia das minhas férias? Palestra pra adolescentes! Quantos anos eu tenho?

Daquele ângulo, eu deitada no colchão no chão e minha mãe se abaixando pra me convencer a despertar para minha adolescência adormecida, eu achei a cena engraçada. Digna de ser descrita. E lida. Você faz bem leitor. Faz um bem a mim. Eu realmente precisava desabafar.
Quando eu sai de casa para estudar, eu tinha 17 anos. Da ultima vez que eu fui pra casa completei 19. Mas já fazia um ano e meio. Estou com 20. Meus pais estão com meus 17. Eles ainda não se deram conta dos meus aniversários anuais. Será?
Eu fui à palestra. Meu irmão também. O caçula foi mais esperto: foi para o treino de basquete – e acrescentou um côvado à sua vida.
Eu já assisti muitas palestras. Boas e ruins. A igreja que eu freqüentava era muito preocupada com o ensino. E nas várias escolas que estudei também ouvi muitas palestras. E na faculdade também – aliás, por ser a comemoração dos 10 anos do curso de Letras eu confesso que esperava algo de nível superior, e não aquela puxação de saco acadêmica de 40 minutos antecedendo uma golfada de termos sem sentido. E como conseguir descrever a pior palestra que eu já vi em toda a minha vida?
Apalpo as palavras errantemente como quando acaba a luz e procuramos um objeto no escuro, tropeçando no pé do armário e machucando o mindinho ou a unha encravada. As únicas palavras que encontro são essas, do tipo pé-de-mesa-que-machuca, apenas elas para dizerem o mal que aquela palestra me causou.
De início, confesso que ainda imaginei não estar gostando da palestra por causa do tema, afinal, eu não preciso mais aprender sobre a menarca! Era bondade minha, um restinho, como quando fazemos brigadeiro e fica uma rapinha na panela.
Depois de meia hora, a náusea crescente me fez perceber que o problema não era o tema.

No meio do caminho havia um palestrante
Um palestrante havia no meio do caminho
No meio do caminho...um palestrante
Um palestrante

No meio do caminho havia um palestrante.


O portão de onde acontecia a palestra estava trancado e algumas pessoas “responsáveis” vigiando para nenhum adolescente fugir. Realmente, com uma palestra daquela dava vontade de fugir mesmo. Da Terra. Sinceramente, uma programação feita especialmente para adolescentes tão caprichosamente que precisa de cadeados para mantê-los “participando”. Depois há quem não entenda o porquê de tanta alienação, por que motivo tantas pessoas mudam de uma igreja para outra – e até mesmo de religião – se foram tão bem ensinadas. Ensinadas a quê? A seguir, a imitar, a obedecer. E não a pensar em suas reais motivações para fazer isto ou aquilo.

Irritação nada literária.

Enfim, assisti a palestra. Odiei. Mas ri muito. E depois, também, meu pai assistiu uma parte da palestra. Acho que ele percebeu que, pelo menos, de puberdade eu já entendo um pouco. Ufa!

Os primeiros dias das férias foram mais intensos. Esta foi a manhã do primeiro dia: intensidade pura!

(Quase vejo um anônimo rindo.)